TELETIME - TECNOLOGIA - SÃO PAULO - SET/2009 - Nº 125 -
Pg. 40 a 44 |
Daniel Machado
Imagine uma tecnologia de rede
residencial que também pode ser usada em redes de acesso e que atinja uma taxa
de até 1 Gbps sobre um único cabo coaxial. Com baixa latência e reduzido índice
de erro, oferece taxas simétricas (links iguais de upstream e downs-tream) e,
ainda por cima, baixo custo de instalação e operação. Para as grandes
operadoras, no âmbito do home-networking, ela viabiliza o triple-play em vários
cômodos da residência. Para os pequenos provedores de TV a cabo, até então
presos ao padrão DOCSIS, essa tecnologia representa, antes de mais nada, a
sobrevivência e a oferta de um portfólio competitivo de múltiplos serviços com
menores custos. Essa tecnologia existe e chama-se HPNA - Home Phone Networking
Alliance. Apesar de ainda desconhecida do público em geral, ela já está em
operação comercial em pequenos municípios e vem chamando a atenção de todas as
grandes operadoras do país pelo sucesso que teve com a AT&T, nos
EUA.
Nascimento
A HPNA nasceu em 1998 como uma tecnologia de rede
residencial sobre par telefônico, que na época atingia taxas de 1 Mbps. Com o
tempo evoluiu a 10 Mbps. Porém passou a se "tornar mundialmente conhecida
somente em 2005, quando ganhou escala na operadora de telefonia AT&T. Na
ocasião, a tele já ofertava o triple play via par trançado com HPNA aos seus
clientes residenciais nos Estados Unidos, mas pretendia ir além e oferecer
também serviços de vídeo distribuídos por IPTV. Era preciso, no entanto, um meio
físico com boa largura de banda e capaz de distribuir múltiplos serviços para os
outros cômodos dos domicílios. Para isso, a operadora testou o cabo metálico UTP
cat. 5, que se mostrou inviável operacional e financeiramente. Fez pilotos com
redes Wi-Fi e tentou "estender" o par trançado, porém ambas as opções
apresentaram alta atenuação e link insuficiente. O cabo coaxial foi o próximo
meio físico a ser analisado. Já instalado não só nas salas como também nos
demais cômodos da grande maioria das famílias norte-americanas, onde a TV a cabo
é onipresente, foi a via natural que se provou a mais eficiente, até por sua
blindagem e menor nível de atenuação. Surgiu, então, uma parceria da AT&T
com a israelense Coppergate, que na época desenvolveu um chip capaz de garantir
velocidades de 128 Mbps, full duplex, em cima do cabo coaxial. O IPTV estava,
enfim, garantido. "Isso representou um grande salto tecnológico e essa
tecnologia passou a ser apelidada de HCNA, pois utilizava a rede coaxial e não
mais o par telefônico", recorda Fabiano Carneiro, diretor de negócios da
Abrangenet, representante da Coppergate no Brasil. Com a nova tecnologia, a
AT&T alcançou uma base superior a 9 milhões de assinantes e, segundo dados
da própria operadora, atualmente instala uma média de 500 mil modems HPNA (ou
HCNA) por mês nos EUA.
Evolução
Um dos segredos do sucesso da
tecnologia HPNA é o cronograma de evolução muito bem definido da plataforma.
Quatro gerações da família de chipsets HPNA 3.1 se sucederam de 2005 a 2009, com
respectivas taxas de transmissão de 128, 160, 256 e 320 Mbps. Para 2010, um
salto ainda maior é esperado. "Já está no laboratório o G.HN, padrão HPNA que
integrará as infraestruturas coaxial, telefônica e elétrica em uma só rede
interna, com taxas de 1 Gbps na coaxial e 200 Mbps na rede elétrica", revela
Carneiro. "Será algo totalmente revolucionário, o padrão globlal de redes
internas para residências", prevê.
Mas, como rodar taxas de 256 Mbps, 320
Mbps e futuramente até 1 Gbps em cima de um único cabo coaxial sem investir em
uma infraestrutura DOCSIS 3.0, capaz de combinar a operação em múltiplos canais?
O "pulo do gato" do HPNA, segundo especialistas, é a pequena faixa de frequência
usada, que apresenta atenuação reduzida, além do protocolo de transmissão
simétrica e a forma de modulação. "A HPNA foi desenvolvida por PhDs em
radiofreqüência e experts em protocolos de transmissão e em TI, por isso é tão
impressionante", diz o representante da Coppergate no Brasil, sem revelar mais
detalhes.
Desenvolvimento
De acordo com a Aliança Home PNA
(www.homepna.org), associação que agrega operadoras, fabricantes e demais
desenvolvedores da tecnologia, a cada cinco segundos um modem HPNA é instalado
no mundo. Além da AT&T e Coppergate, há outros gigantes fomentando esse
mercado, como a Cisco, Motorola, Alcatel-Lucent, D-Link, Samsung, Siemens,
Scientific Atlanta e UT Starcom, além de grandes operadoras como Verizon,
Orange, Telecom Italia, Telefônica da Espanha, Portugal Telecom e Telmex. No
Brasil, a tecnologia está sendo analisada pelas operadoras em laboratórios e, em
alguns casos, testada em campo. Entre as teles nacionais, Telefônica, Embratel,
TVA, Net e Neovia já testaram. "Não é para menos. No país, 90% da classe A tem
cabo coaxial instalado, e em diversos cômodos. A classe B chega muito perto
disso e não demora para que a classe C chegue lá também", prevê Carneiro. Isso
porque os cabos coaxiais estão presentes quando o usuário tem ou teve TV a cabo
ou antena coletiva.
Giovani Pacífico, gerente de produtos para service
providers da D-Link, outro entusiasta da HPNA, vai ainda mais longe. "Cerca de
90% dos domicílios das grandes cidades têm infraestrutura coaxial", diz. "Essa é
a tecnologia ideal para uma situação em que você precisa transmitir dados
pesados dentro de uma casa, pois tem grande penetração e capilaridade. Por isso
acreditamos muito no potencial da HPNA", acrescenta.
Para João Marcelo,
da Cianet, a HPNA também é uma solução perfeita para condomínios residenciais.
"Um único equipamento master pode controlar mais de 60 modems, com ferramentas
de monitoramento e gerenciamento de QoS e outros serviços para cada assinante",
diz. A Cianet é uma das raras empresas que fabricam equipamentos HPNA no país,
com linha de produção em Florianópolis, Santa Catarina. Para isso, recebeu
investimentos de R$ 600 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do
Ministério da Ciência e Tecnologia.
Testes
A D-Link produz em
Taiwan modems HPNA com interfaces ADSL2, Wi-Fi, Ethernet e VoIP e está
fornecendo esses equipamentos para testes da Telefônica no Brasil, Chile e
Colômbia. Já a Motorola produz set-top boxes com o chipset HPNA embarcado para
aplicações de HDTV e SDTV. A mais conhecida operação comercial com esses
equipamentos é a da AT&T, nos Estados Unidos. A Telefônica do Brasil e da
Espanha também utilizam os terminais, porém ainda para testes em campo e em
laboratório. A Neovia (operadora de WiMAX) também admite que está realizando
testes com HPNA. A assessoria de imprensa da operadora informou que a empresa
prefere não se pronunciar pois os testes ainda estão na fase inicial. A TVA Sul
experimenta a tecnologia em redes residenciais e também para aplicações de redes
externas em Curitiba. Segundo Emerson Chagas, responsável pelos testes, há
quatro assinantes testando a solução, com links de apenas 1 Mbps cada. "Só não
aumentamos a banda por falta de liberação da Telefônica. O pessoal de São Paulo
ficou de vir avaliar, mas não parecem muito empolgados", diz. Na Net, Bruno
Ferreira Baldin coordenava um projeto-piloto com a tecnologia HPNA em
condomínios residenciais. Coincidência ou não, foi parar na concorrência. Ele
garante, no entanto, que sua saída nada tem a ver com sua vivência e experiência
na tecnologia HPNA. A Embratel realizou testes com HPNA em 2004 e, segundo Ivan
Campagnolli, diretor de tecnologia e qualidade de redes da operadora, não se
interessou mais pelo padrão. Além do mais, ele alega, os testes teriam
obrigatoriamente de envolver a Net, detentora da infraestrutura coaxial e com
grandes investimentos feitos em DOCSIS, o que tornaria a operação
complexa.
Na Telefônica, Renato Pinto de Souza, engenheiro responsável
pelos testes da HPNA nos laboratórios, revela que foram realizados experimentos
com IPTV em alguns cenários. O mais "exigente" contempla dois pontos de HDTV e
quatro de SDTV em uma residência. "Um link que suporte HDTV consome
aproximadamente 15 Mbps, e um de SDTV, 4 Mbps. Conseguimos taxas de
aproximadamente 53 Mbps, ou seja, mais do que suficiente para essa
configuração", comemora. Além da Motorola e D-Link, Pirelli Broadband, Trendnet
e a asiática Send Tek forneceram equipamentos para a Telefônica. Por conta dos
dois meses de interrupção das vendas do Speedy, os testes desaceleraram, mas
espera-se que ainda em setembro sejam retomados. O próximo passo, segundo Souza,
é a aquisição de 200 modems HPNA para um projeto-piloto abrangendo de 45 a 50
clientes. Isso deve ocorrer até o final do ano.
Contras
Apesar do
sucesso dos testes, Renato Souza revela que o uso da HPNA na rede da Telefônica
se justifica somente onde a operadora não consegue atender com UTP (cabo para
redes Ethernet). "Um modem HPNA tem custo médio de R$ 220 e precisaríamos de um
mínimo de dois por assinante. Já o custo do metro do cabo UTP é da ordem de
centavos", compara. E em um cenário futuro, a HPNA cairia para o terceiro lugar
na lista de preferências. "O Power Line Communications (PLC) ainda não é
realidade, mas quando vingar deve ser nossa primeira opção",
antecipa.
José Geraldo de Almeida, gerente de novos negócios da Motorola,
tem opinião bem parecida. Apesar de a Motorola produzir equipamentos HPNA e ser
membro ativo da Aliança HomeHPNA, para ele essa tecnologia é pontual e
complementar. Ele vê vantagens na utilização da HPNA nos últimos "dez metros" da
rede residencial, exalta o grande sucesso do caso AT&T, mas não crê que esse
padrão ganhará escala significativa no Brasil. "Não acho que a HPNA pode dar
certo aqui. O mercado de TV a cabo vive um movimento de consolidação e a
infraes-trutura DOCSIS será aproveitada, não haverá mudança radical. Além do
mais, o DOCSIS já não é mais tão caro e está com custo decrescente", explica. A
Motorola é um dos maiores fornecedores globais da tecnologia de cable
modems.
Já Fabiano Carneiro prefere acreditar que é tudo uma questão de
tempo. "Trata-se de uma tecnologia muito nova se comparada com suas
concorrentes. Ainda está no berço, não tem mercado ainda, mas vai ganhar escala
e em breve alcançará cifras milionárias", diz.
No entanto, outro
obstáculo para a evolução da HPNA no Brasil, segundo Almeida, é a ínfima oferta
de links de ultra banda larga. "Não faz sentido uma tecnologia de 128 Mbps ou
256 Mbps se chegam no máximo 30 Mbps nas residências. Quando a banda larga
estiver mais disponível, ubíqua e veloz, aí sim a HPNA poderá ser uma tecnologia
promissora". Mas isso, de acordo com ele, não deve ocorrer tão cedo. "A NCTA,
associação de TVs a cabo dos Estados Unidos, prevê que conexões da ordem de 100
Mbps serão comuns por lá a partir de 2016. Talvez esse seja um bom termômetro
para nós", finaliza.
Made in Brazil
O responsável pela ideia de
adaptar a HPNA, uma tecnologia essencialmente de home networking, para um
sistema de redes externas é Ary Braga, um especialista em eletrônica com mais de
20 anos de experiência em empresas de TV a cabo. Ele é sócio-diretor da Net
Angra, uma pequena operadora de TV a cabo de Angra dos Reis, no litoral
fluminense, e conheceu a HPNA procurando na Internet um meio de oferecer
serviços triple play aos seus 15 mil clientes. "Já havia testado
fiber-to-the-home e WiMax, mas precisava de algo mais versátil e barato, que
aproveitasse nossa infraestrutura existente de cabo com uma banda satisfatória
para a oferta de telefonia IP, Internet e TV", lembra. A operadora dispõe de um
backbone HFC de 450 quilômetros, com uma distância máxima de 350 metros da fibra
até a casa do assinante. "Compramos dez equipamentos HPNA para fazer um teste.
Experimentamos e verificamos que era fantástico! Obviamente que não estavam
adaptados para aplicações em rede externa de TV a cabo." Segundo ele, os
equipamentos não dispunham de filtros para separar a banda de dados da banda de
televisão e o nível de radiofreqüência era de 10 dB para que ficasse compatível
com uma rede de TV a cabo. "Tínhamos alguns obstáculos a superar, mas percebemos
que com alguma ajuda poderíamos dar um jeito nisso", recorda. Para tropicalizar
os equipamentos, Braga buscou o apoio técnico da Send Tek, um fabricante
taiwanês de HPNA. "Eles fizeram os ajustes em uma velocidade impressionante e
compramos mais 3,5 mil modems". Para instalação nos postes, os equipamentos
também tiveram de ganhar dissipadores para fonte de alimentação e invólucros
blindados. A partir daí, foi necessário apenas posicionar os housings - como são
chamados - em uma topologia super distribution, arquitetura de rede em estrela
que distribui os equipamentos em células. A rede da Net Angra foi desenhada de
tal forma que cada braço da rede conta com dois modems mestre, cada um
controlando 40 modems-escravo. Dessa forma, cada grupo de 40 assinantes pode
dividir uma banda de até 128 Mbps. Hoje, além dos 15 mil assinantes de TV a
cabo, a Net Angra também tem 3,5 mil assinantes de Internet e 500 de telefonia
IP, serviço mais recente, lançado há 6 meses. Para o segmento residencial, a
empresa oferece links de 300 kbps a 1 Mbps e para o corporativo, até 10 Mbps.
"Até o final de 2010, a previsão é de 7,5 mil clientes de Internet e telefonia",
prevê Braga. Para o diretor geral da Net Angra, Glauco Reis, com a tecnologia
HPNA, o céu é o limite. "Hoje não ocupamos nem 10% da nossa capacidade de rede e
já planejamos lançar canais digitais high definition no início de outubro. E no
começo do ano que vem, nossos clientes terão video on demand", revela. Com
tamanho sucesso, ele sonha com vôos ainda mais altos. "Quando a HPNA evoluir
para 1 Gbps, serão 256 Mbps por célula, ou seja, mais do que 12 Mbps por
usuário. Será a era dos múltiplos serviços, como HDTV, SDTV, telefonia, IPTV,
video-on-demand, games, telemetria", comemora.
Os resultados colhidos
pela Net Angra chamaram a atenção de uma série de outras pequenas operadoras de
TV a cabo, como a Cabovisão, de Rio do Sul (SC). Segundo João Coelho, presidente
da operadora, a concorrência com a Sky e a Oi fez com que a empresa adotasse uma
estratégia de negócios mais agressiva. Em outras palavras, era preciso mais do
que uma programação de TV para reter a base de 3 mil clientes. "Para nos
mantermos no mercado, tínhamos de oferecer também Internet", lembra. "Com o
sistema DOCSIS, o investimento seria de uns R$ 2 milhões, pois teríamos de
construir novas redes, adquirir centrais, instalar amplificadores. A tecnologia
HPNA caiu feito uma luva, pois é bem mais econômica e flexível", diz. Coelho
exalta também o caráter modular da solução. "Podemos instalar os equipamentos
por etapas, pois a topologia da rede é em estrela. Assim não é preciso fazer o
investimento todo de uma vez", diz. Em menos de um ano, a Cabovisão conquistou
500 clientes de Internet, oferecendo links de até 4 Mbps com preços
competitivos. Um link de 1 Mbps, oferecido a 85% dos assinantes, custa R$ 49,90.
A próxima etapa é o triple play. "Vamos nos associar a uma operadora STFC para
oferecer também telefonia", revela.
Redes externas
Mesmo com o
sucesso de pequenas operadoras de TV a cabo, o uso da HPNA nas redes externas,
aplicação tipicamente brasileira, ainda divide opiniões. Para João Marcelo, da
Cianet, essa solução pode ser uma eficiente ferramenta para a universalização da
banda larga. Seria uma boa solução para que operadores de SCM, por exemplo,
ofereçam seus serviços de banda larga a condomínios sem precisarem investir em
cabeamento de rede. "É simples, apresenta boa relação custo/benefício, baixo
custo operacional e alto desempenho. Estamos mostrando para o governo que vale a
pena investir nisso" diz. Não é o que pensa José Geraldo de Almeida, da
Motorola. "A HPNA para redes externas uma avaliação mais criteriosa. E isso só
acontecerá com uma economia de escala que virá com o tempo", diz.